segunda-feira, 4 de junho de 2012

RECEITA DE LONGEVIDADE

Chegar aos cem anos é um feito e tanto num país em que a idade média das empresas não passa de dez. As estatísticas revelam que a cada ano são criados mais de 1,2 milhão de empreendimentos formais no Brasil, mas o destino da maioria só ressalta a trajetória de instituições como o Banco do Brasil e de empresas como Granado, SulAmérica Seguros, Melhoramentos e Malwee. Todas ultrapassaram a marca de um século, mas esbanjam saúde quando se trata de apostar na renovação como um dos segredos da sobrevivência. Não há um levantamento completo sobre quantas empresas centenárias existem no Brasil. Segundo o Cadastro Central de Empresas (Cempre), do IBGE, das 4,5 milhões de empresas ativas no país em 2010 apenas 0,5% tinham pelo menos 46 anos.
Empresas centenárias são, portanto, vencedoras. O levantamento mostra que quase oito de cada dez empresas não sobrevivem ao ciclo dos trinta anos. Mais: duas em dez morrem antes de completar um ano e quatro deixam o mercado apenas dois anos depois, segundo o IBGE. A diferença entre o fracasso e o sucesso nem sempre está na má gestão: esse é o motivo de apenas 10% dos negócios que fecham as portas. Além da qualidade do produto, pesam o planejamento sucessório, o crescimento estável e a busca pela inovação.
"No Brasil, as empresas dificilmente resistem à transição da primeira para a segunda geração. Falta cultura de encaminhamento do processo sucessório, os investimentos em tecnologia são ínfimos e não se pensa a empresa vinte anos à frente. Empresa que não pensa, morre", diz José Eduardo Amato Balian, professor do curso de administração da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "Empresas centenárias têm em comum as questões de sucessão, crescimento e visão de futuro. A maioria faz melhoria de processos para reduzir custos sem se dar conta que isso é melhoria de olho no passado. O que importa é olhar para o que vai acontecer para antecipar as transformações", afirma Carlos Arruda, coordenador do Núcleo de Inovação da Fundação Dom Cabral (FDC).
"Uma das razões da longevidade da empresa é a renovação", diz Patrick de Larragoiti Lucas, presidente do Conselho de Administração da SulAmérica Seguros. Representante da quarta geração da família no comando da empresa, ele deixou a presidência executiva e assumiu a presidência do Conselho de Administração em nome de outra inovação: a profissionalização da gestão. Hoje, aos 116 anos, a SulAmérica é a maior seguradora independente do país com 6,7 milhões de clientes e faturamento de R$ 9 bilhões por ano. O leque de novos produtos acompanhou a evolução dos tempos. A SulAmérica vendia apenas seguro de vida em 1895, quando o espanhol Joaquim Sanchez Larragoiti, diretor-geral do Departamento Hispano-Americano da New York Life Insurance Company, resolveu criar a própria seguradora depois que a empresa americana decidiu encerrar as atividades no Brasil pois um decreto imperial obrigava as seguradoras estrangeiras a aplicar suas reservas no país. Nos anos 30 do século passado diversificou com o seguro de automóveis e já na década de 70 passou a operar com seguro saúde. Para aproximar-se do consumidor, a SulAmérica lançou a assistência 24 horas e a Rádio SulAmérica Trans, com informações 24 horas por dia sobre o trânsito de São Paulo. "Só não mudam os nossos princípios: transparência e idoneidade", afirma Larragoiti.
De olho na inovação e também na expectativa de crescimento, a Granado investe em uma nova fábrica, de 28 mil m² e no processo de treinamento de estagiários para formar os gerentes do futuro.
O planejamento sucessório é outra preocupação do empresário Christopher Freeman, de 65 anos, dono da empresa desde 1994. No ano passado, ele levou os três filhos para um curso nos Estados Unidos sobre sucessão empresarial em família. "A longevidade de uma empresa depende acima de tudo da qualidade dos produtos e da confiança do consumidor, mas planejamento sucessório, crescimento e inovação são imprescindíveis para a sobrevivência", ensina Freeman.
A Granado, fundada em 1870, ficou três gerações nas mãos da família do empreendedor português José Antonio Coxito Granado. Já tinha um século quando Carlos Granado achou que o melhor seria vendê-la porque não tinha herdeiros. A botica da antiga rua Direita, no Centro do Rio, deu lugar a uma moderna loja no mesmo endereço da via, hoje 1º de Março, e se espalha por 11 filiais com a mesma qualidade que a tornou farmácia oficial da Família Real Brasileira, título concedido por Dom Pedro II. Duas fábricas, uma no Rio e outra em Belém do Pará, onde ficava a Phebo, incorporada à Granado em 1998, produzem 10 milhões de unidades por mês. O faturamento no ano passado foi de R$ 200 milhões.
"A opção pela qualidade garantiu nichos de mercado e a consolidação das marcas Granado e Phebo", diz Freeman.
"A busca por inovação está no DNA da Melhoramentos", afirma também Sergio Sesiki, superintendente da Companhia Melhoramentos de São Paulo. Os negócios da empresa, primeira a editar um livro infantil em cores no Brasil, no século passado, englobam editora, livraria e fibras celulósicas. Em 2011, a editora negociou novos contratos de direitos autorais com Noruega, China e Coreia do Sul e o ramo florestal fez a primeira exportação para a Europa da fibra TGW (Thermo Ground Wood).
A receita operacional líquida do conglomerado foi de R$ 124 milhões - 23% superior ao desempenho de 2010. "O espírito inovador e empreendedor, conjugado aos valores de responsabilidade social e ambiental, de respeito à diversidade, de transparência e de honestidade, formam os pilares dos 121 anos de existência e sucesso da empresa", diz Sesiki.
A saga centenária da Malwee começou em 1906, quando o casal Wilhelm e Bertha Karsten Weege criou o laticínio Weege em Jaraguá do Sul, Santa Catarina. O negócio depois virou também frigorífico, tinha um braço na agricultura, ganhou loja de departamentos, incorporou um engenho de arroz e só nos anos 60 enveredou pelo ramo têxtil.
Mais recentemente houve uma diversificação dos negócios para a área de energia renovável. O grupo atua em todo o país em mais de 25 mil pontos de vendas, emprega 10 mil pessoas e produz 55 milhões de peças anuais em sete fábricas. "Para garantir os próximos cem anos nossa aposta é a mesma: foco na cultura da empresa e investimentos permanentes em pesquisa e renovação", diz o presidente da Malwee, Guilherme Weege, de 31 anos, que durante quatro anos foi preparado para suceder o pai, Wander.
Governança é base para contornar os conflitos de família
Dom Pedro II assinou a papelada para que a Cedro Cachoeira se tornasse uma S.A. quando o mercado de capitais ainda era acanhado, nos idos de 1883. A SulAmérica revolucionou o mercado de seguros do país. A Ypióca fez a cachaça brasileira cruzar fronteiras, deu gingado para a caipirinha, e hoje o grupo produz até medicamentos para combate ao câncer. Em comum, além da nacionalidade, essas companhias têm o fato de ser familiares e, mais, estar na quinta geração. Uma proeza e tanto num país em que a mortalidade de empresas é avassaladora, e onde apenas 1% ultrapassam a quinta geração de descendentes.
"É a perseverança que nos fez chegar até aqui", diz Agnaldo Diniz Filho, diretor-presidente da Cedro Cachoeira, e membro da quinta geração. Ele está no cargo desde 2001 e é o 12º presidente em 140 anos. Provavelmente ficará no leme até 2013, quando completar 68 anos, e o seu sucessor será escolhido por consenso, num processo liderado pelo Conselho de Administração. Afinal, a companhia têxtil que teve seu início antes mesmo da abolição da escravatura e da invenção da lâmpada elétrica, em 1872, tem a peculiaridade de ser gerida por um acordo de acionistas.
Chama atenção o fato de este acordo ter sido assinado por mais de 240 pessoas, fazendo com que se destaque em meio a tantos outros disponíveis nas prateleiras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o xerife do mercado de capitais. Dele, nasceu um comitê formado majoritariamente pela família e sua função é assegurar a preservação do comando como um todo e regular a relação dos acionistas, em especial em relação à alienação ou subscrição de ações. O voto deles é único.
A união desse grupo mostra as razões pelas quais uma empresa, hoje composta por sete famílias controladoras, consegue chegar aos 140 anos em plena forma. Assim como a Cedro Cachoeira, outras empresas genuinamente nacionais conseguiram sobreviver aos laços familiares, a duas grandes guerras mundiais, e aos solavancos econômicos de um Brasil que conheceu a hiperinflação. "Essas empresas souberam ir além da gestão dos negócios, criando estruturas de poder e instâncias de governança", diz o consultor Renato Berhnoeft, fundador da höft consultoria empresarial.
Ele cita uma pesquisa feita pela höft na América Latina, na qual identificou que 70% das empresas familiares desaparecem ou são adquiridas em razão de conflitos familiares ou societários não resolvidos.
Para a professora Teresa Roscoe, da Fundação Dom Cabral, os dois maiores desafios das empresas familiares são justamente conseguir acompanhar o ritmo do mercado e manter o consenso entre os sócios. "Além disso, talvez um dos principais problemas dessas companhias seja a dificuldade de o próprio fundador distanciar-se do dia a dia e dar espaços para os mais jovens."
Em geral, no caso de empresas centenárias, a primeira geração é aquela formada por imigrantes que passaram por dificuldades em seus países de origem e vieram para o Brasil atrás de oportunidades. Sabem o valor do trabalho e do dinheiro, e se empenharam a todo custo para fazer o negócio dar certo. Para ir adiante, é preciso que as novas gerações absorvam o legado deixado por essa liderança.
Hoje, muitas dessas empresas, têm recorrido aos chamados "family offices" que, dentre outras funções, organizam eventos entre membros da família e até promovem "excursões" às fábricas para que os jovens conheçam melhor o negócio. Essa é uma das oportunidades de saber se vão querer seguir o caminho da família ou partir para suas próprias conquistas. Bernhoeft não se cansa de repetir em suas palestras que "um sócio feliz fora da empresa será um acionista muito melhor".
Em sua consultoria, ele sempre questiona qual o projeto de vida de um herdeiro. E como exemplo, cita casos bem-sucedidos, como o de Walter Moreira Salles que, apesar de ter nascido herdeiro do Unibanco, seguiu a carreira de cineasta. Marcos Ermírio de Moraes, herdeiro do grupo Votorantim, saiu do grupo e construiu vários negócios, dentre os quais o bem sucedido Rally dos Sertões.
Outra alternativa, segundo ele, é saber lidar com o dinheiro e poder das influências em benefício próprio. O neto de Jânio Quadros, Jânio Quadros Neto, fatura organizando a agenda de celebridades internacionais que vem ao Brasil.
No Pastifício Selmi - que faz a farinha de trigo e as massas Renata desde 1887- a quarta geração dissipou-se. E agora apenas um dos bisnetos do fundador, Ricardo Selmi, está na empresa. A mudança de curso deu-se após a morte de seu pai, Renato, em 2001, sem deixar azeitada a sucessão. Os dois irmãos, segundo ele, não quiseram dar continuidade ao negócio e num processo bem-sucedido, mas não exatamente amigável, Ricardo arrumou um sócio e comprou a participação dos irmãos numa operação de valor não revelado.
Desde 2005, Belarmino Ascenção Marta Júnior, seu amigo de infância e um dos donos do Grupo Belarmino, da área de transporte, tornou-se seu sócio. É ele quem toca a área financeira. Por ora, os sócios planejam encorpar a companhia e quando ela chegar no faturamento de R$ 1,2 bilhão, talvez tentar o mercado de capitais. "Fazer um IPO pode ser uma boa alternativa", diz Selmi. Hoje, a empresa fatura algo na casa dos R$ 700 milhões anuais.
Mesmo para o mercado de capitais - mais agressivo na cobrança de resultados - a tradição de uma empresa familiar tem seu valor. A SulAmérica, fundada em 1895, fez uma oferta em 2007 e, segundo vice-presidente de controle e relações com investidores, Arthur Farme d'Amoed Neto, ser centenária e familiar contou pontos a favor. Ele diz que a empresa sempre teve sócios externos, especialmente da área financeira, e "os acionistas controladores veem a participação dos minoritários na companhia como um fator adicional ao estímulo de um permanente aprimoramento das práticas de boa governança corporativa".
Doação de patrimônio em vida atrai os donos
 Na hora de passar o bastão, o dirigente da empresa centenária sabe que é sempre mais prudente fazer um planejamento sucessório - para o bem da companhia e dos herdeiros. Mas qual a melhor maneira de fazê-lo?
Depende. Testamento, embora não custe mais que R$ 2 mil e permita, por exemplo, o reconhecimento de um filho após a morte, pode ser um tiro no pé - já que não elimina o inventário e questionamentos judiciais.
."A Justiça brasileira permite diversas brechas onde tudo é questionável. O mais recomendado é um planejamento sucessório bem estruturado", atesta o advogado Carlos Henrique Lemos, do escritório Porto Lauand Advogados. Hoje, há soluções interessantes que protegem os bens, permitem a plena continuidade da empresa e também livram os herdeiros de gastos como a mordida de Imposto de Renda e de outros tributos.
A sugestão mais econômica, do ponto de vista financeiro, é que a partilha seja feita em vida, mas preservando o usufruto. Isso pode ser feito por meio de uma doação ou de um plano de previdência privado. Enquanto os planos de previdência são mais rápidos (transferidos automaticamente para os beneficiários após a morte do doador e isentos de Imposto de Renda sobre o resgate), a doação pode variar. Só há isenção de IR quando o valor de avaliação do bem doado não sofre variação da Declaração de Bens e Direitos do beneficiário em relação à Declaração de Bens e Direitos do doador no ano anterior. Caso o bem doado sofra valorização, é preciso pagar IR de 15% sobre a diferença.
Ainda que a doação seja feita em vida, há a obrigatoriedade de se pagar um tributo estadual, o ITCMD, Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações. Dependendo do Estado onde o bem doado está localizado, a alíquota aumenta, segundo a advogada Roberta Nioac Prado, coordenadora do Grupo de Estudos de Empresas Familiares da Fundação Getúlio Vargas. Em geral, a alíquota é de 4% sobre o valor do bem. Mas em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, por exemplo, aumenta para 8%.
Outra estrutura bastante utilizada é a criação de holdings. De cara, o primeiro benefício é o do imposto. Numa holding - classificada, portanto, como pessoa jurídica - o IR oscila entre 14% e 17%, enquanto no caso de pessoas físicas, chega a 27,5%. Há diversos tipos. E a ideia é separar os bens do resto dos negócios operacionais (empresas, por exemplo). Mas Lemos alerta que quando o bem é integralizado há incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter-Vivos, com alíquota média de 2% sobre o valor do imóvel. Também pode haver gastos com escritura e registro em cartório no caso de imóveis. (CM)
Gestão conservadora protege negócio
Por Eduardo BeloJohn Julio Jansen, da DuPont: 35% do faturamento anual têm de vir de produtos lançados nos últimos quatros.Assim como na natureza, no mundo dos negócios a grande receita para a sobrevivência é saber adaptar-se. É ter capacidade para atender rapidamente às novas demandas do mercado e da sociedade, apontam especialistas e executivos. "O grande desafio de qualquer empresa é estar antenada para as mudanças e manter os investimentos necessários para aproveitar as oportunidades que a evolução natural do mundo oferece", defende John Julio Jansen, vice-presidente da área de polímeros da DuPont do Brasil.
Uma gestão financeira conservadora também ajuda. Mas é necessário que o conservadorismo não engesse investimentos, único caminho seguro para se manter atual, afirma Andrés Gómez, diretor geral da Carvajal Informação no Brasil. Fundado há 107 anos na Colômbia, o Grupo Carvajal está no Brasil desde 1984 - onde atua com guias impressos e eletrônicos, além de materiais escolares.
Segundo o executivo, a gestão financeira conservadora consiste em realizar avaliações contínuas e acompanhar de perto não só os negócios como também os panoramas de mercado, de forma a evitar riscos desnecessários. No grupo, cada unidade tem limites para endividamento definidos pelo conselho diretivo, conforme a conjuntura e a fase em que se encontre o negócio. As metas são confrontadas com as projeções. Quando algo foge dos planos, ações corretivas são adotadas imediatamente. O conservadorismo, porém, não impede que a empresa tenha planos ousados e até agressivos, afirma Gómez. Na filosofia do Carvajal, só empresas que buscam competir com seus pares mais qualificados crescem, porque conseguem aprender mais e melhorar seu desempenho.
O avanço da tecnologia e o deslocamento de pelo menos parte do poder econômico para os países emergentes estão obrigando as companhias a responder cada vez mais depressa às novas necessidades. A DuPont, por exemplo, elegeu algumas prioridades, entre as quais produção de alimentos, segurança e energia. A escolha parte da constatação de que haverá 9 bilhões de humanos no planeta em 2050 - 30% mais que hoje.
Jansen explica que a maior dificuldade para uma empresa é saber o momento de substituir um produto ou tecnologia ou de entrar em novos negócios. Para evitar problemas como as fabricantes de máquinas de escrever, suplantadas pela indústria de computadores, e se manter sempre na ponta da inovação, a DuPont criou um parâmetro: pelo menos 35% do faturamento anual têm de vir de produtos lançados nos últimos quatros. Isso obriga a empresa a investir e ficar atenta, explica o executivo.
No Brasil, a necessidade de atenção permanente vem ganhando novo tempero: a redução dos juros. Para Samy Dana, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, o novo patamar dos juros e do spread bancário vai expor "uma série de incompetências" antes encobertas pelo alto custo financeiro. Em muitos casos, diz, investimentos financeiros não serão mais tão vantajosos quanto a produção. As margens serão menores e, portanto, a operação terá de ser cada vez mais competitiva.
Produtividade requer criatividade, defende Dana. Será preciso inovar no produto e na gestão. Segundo ele, criatividade é um aspecto "muito subestimado" nos negócios. "A empresa precisa ser criativa para enxergar as mudanças, para não sucumbir, mas os empresários não estão muito preparados para ser criativos e as escolas não preparam para isso", defende. Ele próprio ministra uma concorrida matéria eletiva sobre criatividade na FGV de São Paulo.
Outro requisito que ajuda a manter as empresas vivas é ter uma imagem bem definida. "As missões e os valores de uma empresa têm de ser coerentes com a sua prática, de tal forma que ela atraia profissionais afinados com esse perfil", afirma Dana. E cita um exemplo de companhia com pouco mais de uma década, mas que já conseguiu consolidar a imagem: "A Ambev é uma empresa agressiva. Goste-se disso ou não, ela tem sido muito bem-sucedida ao transmitir essa imagem ao mercado."
Autor de uma pesquisa que analisa a longevidade de um grupo de empresas da região de Campinas, o professor Juan Miguel Bacic, do Instituto de Economia da Unicamp, considera que o conhecimento é uma das fontes da longevidade. Ele acredita que as empresas que sobrevivem aos primeiros anos acabam se tornando sólidas - mesmo que não aumentem muito de tamanho, porque seus gestores - sejam donos, sócios ou executivos - acumulam experiência e passam a conhecer profundamente seu mercado. Bacic analisou 3.196 empresas fundadas antes de 1975 e ainda ativas em 2007.
"Depois de 20 anos, restam somente 25% das empresas originais", diz. Mas elas já têm uma clientela estabilizada, um conhecimento do mercado. "É um aprendizado que o dono ou os sócios acabam transformando no capital mais importante."
Peso da tradição inspira cautela
Até hoje, o empresário Colin Butterfield, paulista de Piacatu, de 40 anos, que assumiu a presidência da Cosan Alimentos em 2010, sente calafrios quando decide fazer alguma mudança na estrutura de negócios da marca de açúcar União, incorporada pelo grupo em 2009. Não é por menos. Criada em outubro de 1910 pelos irmãos italianos, Giuseppe e Nicola Puglisi Carbone, no bairro paulistano da Mooca, a União é hoje a terceira marca mais bem avaliada no Brasil, no segmento de alimentos, líder em açúcar refinado no varejo, e responsável pela maior parte das vendas da Cosan, que registrou no segundo trimestre da safra 2011/2012 uma receita líquida de R$ 267,2 milhões. "Fico nervoso cada vez que preciso mexer em algo que faz parte da essência do negócio. O clima é de expectativa para ver se a mudança vai dar certo ou não", afirma Butterfield.
No entanto, nada surpreende, indica o executivo. "Quando entrei no jogo, em 2010, sabia que tinha uma responsabilidade tremenda nas costas. Sabia que não podia mexer, de uma hora para outra, num time vencedor. Precisava primeiro ver o que estava funcionando e o que não estava. A marca União é hoje a mais importante do negócio da Cosan, um sinal de qualidade, tradição e interação. Não se pode mudar rapidamente um negócio que tem mais de cem anos. Isso pode destruir o trabalho de várias gerações", explica.
Mas, ao mesmo tempo em que atua para manter a trajetória de sucesso da empresa, Butterfield diz que é preciso avançar, fazer inovações para alcançar novos patamares de crescimento da organização. "É necessário agregar mais valor, lançar novas categorias de açúcar, apresentar produtos em novas roupagens, mas sem perder as características básicas da União." Aliás, mexer na embalagem dos produtos, algo que não acontecia por mais de dez anos, segundo ele, foi um risco bastante calculado. "Fizemos muitos estudos, experimentamos os produtos junto aos consumidores para ver se não havia perigo de rejeição. Só lançamos depois que tínhamos certeza de que não haveria uma ruptura com o consumidor."
Butterfield diz que compensou sua falta de experiência no ramo de alimentos (ele vinha da Cargill e da área de finanças) com o apoio de funcionários mais antigos e de profissionais contratados. "A pressão é muito grande, especialmente quando você senta na cadeira de um negócio que funciona tão bem há mais de cem anos. É preciso conhecer o patrimônio que se herdou e tomar muito cuidado para não mexer nas fortalezas que fizeram o sucesso da companhia. Ao mesmo tempo, há que saber fazer as mudanças necessárias para que o negócio prospere", afirma.
Em muitos casos, essa pressão pode exigir do executivo até mesmo cuidados especiais à saúde. "Faço análise semanalmente, que me ajuda bastante", admite Ricardo Selmi, bisneto do patriarca italiano Adolfo Selmi, que fundou na região de Campinas, em 1887, a primeira fábrica do Pastifício Selmi, detentora das marcas Renata e Galo. "Trabalho bastante, pelo menos 12 a 13 horas por dia, as pressões são constantes e a análise ajuda a dar uma boa aliviada. Não alivia o peso do trabalho, mas alivia a cabeça", brinca.
Embora esteja incumbido de dar continuidade à história da Selmi, Ricardo dirige hoje uma empresa que já não é mais familiar: há seis anos, a Selmi associou-se ao grupo português Belarmino, que atua na área de transportes coletivos urbanos e intermunicipais, e agora caminha rumo à profissionalização. "Meus irmãos e tias deixaram a companhia, e hoje sou o único membro da família Selmi atuando na empresa. O processo de profissionalização é intenso, e com o crescimento dos negócios, imaginamos abrir o capital da empresa, daqui a alguns anos, e formar um conselho de administração", conta ele.
Com isso, explica Selmi, fica cada vez mais árdua a tarefa de manter a reputação da primeira fabricante de massa italiana na região de Campinas. A pressão dos competidores aumenta todo dia, segundo ele. E com razão: nos últimos dez anos, a Selmi cresceu numa média de 15% ao ano, e hoje, com duas fábricas (Sumaré, em São Paulo, e Londrina, no Paraná), cerca de 1,2 mil colaboradores, fatura em torno de R$ 700 milhões.
Com 31 anos, Guilherme Weege, graduado em administração de empresas e cursos executivos em Harvard e Wharton, nos Estados Unidos, e no Insead, na França, também enfrenta o desafio de um processo de transição de um grupo familiar para uma estrutura de organização 100% profissional.
Herdeiro dos negócios da Firma Weege, fundada em 1906 por Wilhelm e Bertha Weege, que tinha como principal atividade o comércio, queijaria e açougue, Guilherme Weege está encarregado, desde 2004, da diversificação dos negócios do grupo. Hoje, seu principal ativo é a Malwee Malhas, criada em julho de 1968 pelo avô Wolfgang Weege, que produz cerca de 40 milhões de peças por ano. "Busco a cada dia unir a experiência comprovada pela história com o espírito inovador de nossas atuais equipes de trabalho", afirma.
Reavaliação de estratégia garante a continuidade
Por Ana Cláudia LandiDurante quase toda a década de 1970, a Granado conviveu com um mercado em franco crescimento. Tudo mudou quando, a partir dos anos 1980, novos hábitos de consumo, o acirramento da concorrência, planos econômicos e crises internacionais começaram a afetar os resultados da empresa, fazendo com que ela perdesse mercado.
Era preciso reagir rapidamente. A empresa notou que, quando se falava da marca, o único produto que vinha à cabeça dos consumidores era o Polvilho Antisséptico, o talco para quem tem problemas de odores nos pés e axilas. O sabonete Phebo, sua segunda marca, até então líder em seu segmento, perdia espaço para artigos mais modernos e atraentes.
A virada começou com a saída dos donos. Depois de ser comandada por três gerações diferentes da família Granado, a marca foi vendida em 1994 para Christopher Freeman. O britânico, que havia sido contratado justamente para negociar a empresa, acabou comprando a operação. Quando assumiu, Freeman notou que o foco estava em duas drogarias - uma no bairro da Tijuca e outra no centro do Rio de Janeiro. O executivo redirecionou os negócios para redes atacadistas e varejistas, criou novas linhas, como a Bebe e a Pet, e mudou as formulações, passando a empregar uma base vegetal.
Produtos, processos e serviços perdem a validade em pouco tempo, e precisam renovar-se sempre
"Há sete anos, quando entrei na empresa, avaliamos também que era preciso repaginar todos os produtos e reformar a loja no centro do Rio. As embalagens não ilustravam a qualidade e tradição da marca e dos produtos e os artigos não conversavam entre si. Por exemplo, o polvilho era usado por milhões de pessoas diariamente, mas muitos não sabiam que o sabonete de glicerina do banheiro era da mesma marca, pois eles pouco tinham em comum. Contratamos uma empresa de design de Nova York para nos ajudar no projeto", conta Sissi Freeman, filha de Christopher, atual diretora de marketing do grupo.
As mudanças começaram pelo próprio polvilho. "Limpamos as cores e optamos por tons vibrantes que se destacavam no ponto de venda. Reforçamos a logomarca e adicionamos a expressão 'Desde 1870' à embalagem. Seguimos com o projeto para as outras linhas e começamos a abrir lojas nas principais cidades. Hoje são 12, espalhadas pelo Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Recife, Curitiba e Belém", afirma.
Essa capacidade de se reinventar é uma característica apontada por consultores como fundamental para a perenidade do negócio.
"Crises e desafios trazem um senso de urgência que obriga os executivos a exercitar suas habilidades no longo prazo", afirma Vicky Bloch, especialista em comportamento organizacional. Segundo a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da FIA e coautora do livro "Coaching, uma questão de atitude" (Ed. Campus), a mudança se faz necessária em qualquer ambiente organizacional e não só em momentos de crise. "Somos levados a crer que não é preciso mexer no que está dando certo, porém, no ambiente competitivo em que vivemos, a estrutura de uma empresa - seus produtos, processos e serviços - perde a validade em pouco tempo, e por isso é preciso inovar constantemente."
Vicky assessorou recentemente o Grupo RBS (conglomerado que controla 18 emissoras de televisão aberta afiliadas à Rede Globo, duas emissoras de televisão comunitárias, um canal de TV por assinatura, 25 emissoras de rádio e oito jornais) em processo de sucessão que envolveu a renovação da gestão e a forma de comandar os negócios.
Ela conta que o coaching foi fundamental em dois movimentos que aconteceram simultaneamente na empresa: a própria mudança do comando, que passou para as mãos de Eduardo Sirotsky Melzer, sobrinho do então gestor, Nelson Sirotsky. A outra foi a preparação para os novos papéis que Nelson passou a desempenhar como presidente do Conselho de Administração da empresa e das novas atividades que quer desenvolver depois de deixar as suas atuais funções executivas. Aos 38 anos, Melzer é membro da terceira geração da família controladora e o mais velho dos 14 netos de Maurício Sirotsky Sobrinho, que fundou o grupo em 1957.
Além da necessidade de estar atento à gestão, Miguel Juan Bacic, professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) vai mais longe: "Além de não afundar em problemas de sucessão familiar, manter a longevidade também significa favorecer o crescimento de forma sustentável, em ritmo lento, expandindo dentro do nicho de mercado específico de cada produto ou serviço. E não se endividar".
Diversificar as ações corporativas em torno do negócio principal também ajuda, nota Bacic. Só que existe mais um fator a ser considerado nessa receita: ter sorte. "Para sobreviver, a empresa não pode sofrer uma ruptura tecnológica que resulte em introdução de inovações por parte de outras companhias", diz. Um exemplo de como a falta de sorte pode destruir um negócio promissor é o setor de CDs - encolhe ano a ano com o surgimento de novas tecnologias como o MP3. Outro, emblemático, é o caso da Kodak. A companhia, com 131 anos, criou a câmara digital, mas não conseguiu capitalizar com a nova tecnologia. Temia que o novo produto concorresse com os filmes fotográficos.

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