Reposição de água e sais
minerais. Esse é o poder dos isotônicos. Bebida que proporciona hidratação bem
maior se comparada à água comum e oferece recuperação mais rápida dos
nutrientes perdidos durante uma atividade física, já que o público-alvo são os
atletas. De olho nesse mercado, uma pesquisa vem sendo desenvolvida na
Universidade Federal de Viçosa (UFV) desde 2010, sob coordenação da engenheira
de alimentos e professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos Edimar
Aparecida Filomeno Fontes, para colocar no mercado um isotônico feito à base de
soro do leite. A ideia é inovadora e já está a caminho do pedido de patente. Ao
lado dos colegas Antônio Fernandes de Carvalho, especialista em tecnologia de
membrana, e Paulo César Stringheta, perito em corantes naturais e compostos
bioativos, os cientistas procuram aproveitar parte do soro descartado pela
indústria de laticínios e alimentícia para produzir a bebida natural.
O projeto quer aproveitar
integralmente esse material, fruto na produção de queijos, e eliminar, por
consequência, os impactos ambientais gerados pelo descarte dos resíduos
orgânicos em redes fluviais de saneamento. Edimar explica que há décadas todo o
soro era descartado por indisponibilidade de recursos tecnológicos para
aproveitamento dos seus ricos componentes. Hoje, aproveita-se a proteína
presente no soro, mas ainda restam os permeados (proteínas, sais minerais,
vitaminas e lactose, ricos em vitaminas hidrossolúveis e sais minerais, que não
encontram aproveitamento pela indústria alimentícia).
A produção do queijo consiste
na separação dos componentes lácteos, processo que dá origem a dois derivados:
o coalho, porção sólida usada durante a fabricação do alimento; e o soro,
líquido que detém mais da metade dos nutrientes do leite. “Hoje, já existem
técnicas aplicadas na indústria de laticínio. Uma tecnologia nova, chamada de
membrana, separa a proteína do leite, mas todo o resto é inutilizado, ou seja,
sais minerais, vitaminas e lactose. Mas esses subprodutos, que são naturais,
podem ser usados na formulação do isotônico.”
Com o soro do leite não é preciso adicionar praticamente nada. “Não é
necessário fazer formulações para a bebida. É pegar o permeado (que não é mais
o soro), obtido pelo processo de ultrafiltração e reutilizar os sais minerais,
as vitaminas e a lactose, que é o carboidrato.” A indústria, até agora, se
concentra na utilização da proteína, que tem valor de mercado, para a
formulação de alimentos e outras aplicações industriais. “Vamos usar o produto
gerado do processo tradicional, dando-lhe aproveitamento total.”
Osmolalidade
Edimar explica que o uso do
permeado do soro do leite é superimportante porque ele tem osmolalidade – uma
medida que se refere ao número de partículas de soluto (carboidrato, sais
minerais, etc.) presente em um quilograma de solvente (água). A osmolalidade
representa a intensidade de pressão osmótica no organismo e ela tem que ser
semelhante à do intestino, por exemplo, onde ocorre a absorção dos nutrientes.
“A pressão precisa variar entre 221mOsm/L e 330 mOsm/L de água. E o soro de
leite já tem a osmolalidade natural.”
A pesquisadora enfatiza que ainda não existe isotônico comercializado
à base de soro do leite. O que há são bebidas com formulações que recebem
adições de carboidratos, sais minerais, principalmente sódio e potássio, e
corantes. “Nosso diferencial é que vamos apresentar um isotônico natural e com
mais componentes agregados, principalmente vitaminas do complexo B, a B2 ou
riboflavina, boa para pele, cabelo, mucosa, enfim, tudo que faz bem à saúde.”
Edimar reforça que diante da grande produção de leite em Minas Gerais, a
geração de resíduos é proporcional. A professora informa que de 85% a 90% do
volume de leite utilizado na fabricação de queijo resultam em soro.
Algumas informações sobre a
pesquisa são mantidas em segredo pela pesquisadora, já que, futuramente, haverá
o pedido de patente. No entanto, ela explica que a ideia de transformar soro de
leite em isotônico não é inédita. Há alguns artigos e publicações. O artigo
científico do grupo da Universidade Federal de Viçosa está em processo de
revisão para ser divulgado na revista Ciência Rural, mas ainda sem data
prevista. As pesquisas, ela reforça, são recentes, a partir de 2010, por causa
da tecnologia de membrana, também uma novidade aplicada pela indústria e
fundamental no processo.
No início do estudo, Edimar
conta que teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(Fapemig). Agora, para seguir adiante, está em busca de financiamento. Nesse
momento, a pesquisa está em fase de associação de corantes naturais para a
produção do isotônico. Depois da primeira experiência com o limão, a equipe
testa o corante de açaí. “Estamos trabalhando com adição de aromas porque o
permeado é transparente, meio amarelado e acreditamos que cor e sabor ajudam
visualmente a conquistar consumidores potenciais. A proposta é acrescentar
aromas naturais de frutas”, acrescenta.
Poluição
A questão ambiental também é
fundamental na produção do isotônico de soro do leite, já que haverá 100% de
aproveitamento do produto descartado. A indústria já aproveita a proteína, pode
utilizar o açúcar (da lactose), mas mesmo assim ainda sobram resíduos, como as
vitaminas e os sais minerais. Esse descarte contribui com a poluição de
bactérias e micro-organismos no ambiente. “Esses resíduos poluem mais que o
esgoto doméstico. O soro tem o poder de poluição 100 vezes maior que o esgoto
doméstico. Se você produzir 10 mil litros de soro por dia, isso teria o poder
poluente equivalente a uma população de 5 mil habitantes. Por isso, a
alternativa para o reaproveitamento adequado do soro do leite é tão
importante”, enfatiza Edimar. A Associação Brasileira do Leite, a Leite Brasil,
informou que não tinha porta-voz para comentar a pesquisa. A Associação
Brasileira da Indústria do Leite Longa Vida também não quis comentar o estudo.
Bebida láctea
Uma empresa mineira, a
Laticínios Verde Campo, de Lavras, desenvolve pesquisa com foco na parte
proteica do leite. Segundo Alessandro Rios, diretor-presidente da Verde Campo,
como resultado eles criaram a bebida láctea Bio + nos sabores maracujá, laranja
e maçã, que é oferecida para projetos esportivos da cidade como complemento da
alimentação de jovens atletas, principalmente do atletismo e basquete. Rios
explica que a proteína do soro, comercializada no Brasil com o nome em inglês
whey protein, tem sua propriedade conhecida e é estudada no mundo todo. “Ela é
a mais nobre para a reposição muscular, já que potencializa o desenvolvimento
do esportista.” De acordo com o empresário, a bebida láctea tem espectro maior
e não favorece apenas atletas, já que para os de alto rendimento usam alimentos
proteicos concentrados. “O que temos é inovador porque é um percentual menor de
proteína e usamos a líquida, altamente nutritiva e com custo viável.” Quanto ao
isotônico à base de soro do leite, em fase de desenvolvimento pela UFV,
Alessandro Rios é só elogios. “A ideia é viável e vai dar origem a um produto
de qualidade.”
Saiba mais
O que diz a Anvisa sobre
bebidas isotônicas
As bebidas isotônicas são
alimentos para fins especiais classificadas como suplementos hidroeletrolíticos
para atletas, destinados a auxiliar a hidratação, com osmolalidade entre 270 e
330Osm/kg de água no produto pronto para consumo. São compostas por sódio,
carboidratos, potássio, vitaminas e minerais, conforme previsto pelos
requisitos específicos, constantes do artigo 6º da Resolução RDC 18/2010. Não
podem ser adicionados de fibras, outros nutrientes e não nutrientes. Já a
expressão “hipotônico” pode ser utilizada para os produtos prontos para o
consumo com osmolalidade abaixo de 270mOsm/kg de água. A expressão
“hidrotônico” não pode ser utilizada, pois pode induzir o consumidor a engano
quanto à característica e finalidade de uso do produto, tendo em vista que
sugere a relação do mesmo com tonicidade, não demonstrada para o suplemento
hidroeletrolítico para atletas.
Palavra de especialista
Perspectiva excelente
Celso Moreira,
diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios do Estado de Minas
Gerais (Silemg)
“Nos últimos anos, é grande o volume de importantes pesquisas na
indústria de laticínios. Em se tratando do leite, elas estão voltadas para a
saúde. Fato é que o soro mudou de status. Há pouco tempo, não é um passado
distante, ele era usado na zona rural e pelos mais antigos como alimento de
suínos ou ração animal, já que também é adequado para bovinos. Era o descarte
da produção do queijo artesanal. Graças aos estudos sobre o valor nutricional
do soro ele foi redirecionado e passou a ser encarado como coproduto, tendo
grande força na indústria. Tanto que nos últimos cinco anos, em Minas Gerais,
foram instaladas quatro torres de secagem para o soro em pó, que é direcionado
para a produção de chocolate, sorvete, etc. Para se ter ideia do que isso
significa, a industrialização do soro nas torres gera 2 milhões litros/dia, ou
seja, cada uma tem média de 500 mil litros/dia. A cada ano, os laticínios
investiram pesado na industrialização do soro e outros laticínios. A
Universidade Federal de Viçosa presta belíssimo serviço para o setor lácteo.
Novas possibilidades são fundamentais para estimular os pesquisadores, já que
muitos desenvolvem ótimos trabalhos e que, às vezes, ficam na gaveta. Divulgar
a possibilidade do isotônico à base de soro é importante para que a indústria
tenha conhecimento do que está sendo feito. As perspectivas são excelentes.”
Fonte: http://www.em.com.br
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